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24 de Abril de 2024

Tempo é Dinheiro: O dano moral vale o equivalente 3 segundos, pelo menos para a JBS – Friboi

(Do conflito existente entre punição ao causador do dano e não enriquecimento indevido da vítima)

Publicado por Paulo Antonio Papini
há 9 anos

Tempo é dinheiro, logo dinheiro consequentemente é tempo. E 3 segundos da empresa JBS-Friboi é quanto decidiu o Poder Judiciário mato-grossense que vale um ilícito cível praticado contra um dos mais fundamentais pilares da República: a educação.

Explicamos melhor: no processo número 0000916-16.2014.5.23.0022, o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (Estado do Mato Grosso) condenou a JBS-Friboi em R$ 10.000,00 [dez mil reais] pelo fato de um segurança da empresa ter segurado fisicamente uma funcionária, tentando impedi-la de fazer a prova do ENEM. Consta que a funcionária somente conseguiu deixar as dependências da empresa após ter chamado a polícia [noutras palavras, o preposto da empresa praticou, também, o crime de cárcere privado].

Pois bem, o ato em si é gravíssimo. A uma, porque demonstra de forma clara e indene de qualquer dúvida a truculência com que agem os funcionários e prepostos da ré. A duas, porque demonstra os reais valores da requerida, não aquelas bobagens ditas em propagandas interpretadas por galãs da Rede Globo. A três, porque atenta contra um dos mais fundamentais Direitos protegidos pela Constituição: a educação, como mola propulsora do desenvolvimento individual e coletivo. Com efeito, de nada adianta a Lei falar em amplo acesso à educação se o seu patrão, tratando-lhe como gado, lhe proíbe de ir fazer provas que dão acesso ao Ensino Universitário.

Fazendo uma rápida busca na Internet, descobrimos que o faturamento anual da JBS-Friboi é de R$ 100 bilhões de reais ao ano. Noutras palavras, R$ 10mil corresponde à décima milionésima parte do faturamento daquela empresa (1/10.000.000, para sermos bastante claros). Se dividirmos o faturamento da Friboi pelo número de segundos que tem em um ano (31.536.000), chegamos à conclusão de que a Friboi fatura o equivalente a R$ 10.000,00 a cada 3 segundos, aproximadamente.

Tenhamos esse número em mente: três segundos de seu faturamento anual. Imagine você, caro leitor, algum ilícito que gosta ou gostaria de praticar [não serei indiscreto em pedir que diga nos comentários!], ilícito como dirigir alcoolizado, usar drogas ilegais, fumar em banheiros de aviões, enfim, qualquer ilícito que você gostaria de praticar e só não o faz por medo das conseqüências legais. Agora imagine que lhe disséssimos que a consequência legal, em punição financeira, será igual a algo equivalente a 3 segundos de tudo que você ganha em um ano de trabalho. Deu pra dar uma relaxada, não deu? Deu pra perder o medo? Ora, três segundos em um ano é algo irrisório, e se você é [como boa parte da humanidade] uma daquelas pessoas que só cumpre a lei por medo das sanções, começaria a praticar seus ilícitos sem maiores questões internas, correto?

Apenas para termos idéia do que estamos falando. Imagine que você tenha por diversão acelerar seu veículo esportivo a mais de 150 km/h em nossas estradas. Obviamente estará sujeito a uma multa de até R$ 1.900,00 [um mil e novecentos reais], se não me falha a memória, um valor considerável. Agora, imaginemos que você seja um profissional muito, mas muito bem remunerado e receba o equivalente a R$ 360.000,00 por ano de trabalho. Isso significa que por segundo o seu salário é de [360.000/31.536.000] R$ 0,0104 [um centavo de real e 4 décimos de milésimos de real]. Imagine agora que a multa pela perigosa direção praticada corresponda a 3 segundos do seu salário anual, ou seja, R$ 0,031 [três centavo e um milésimo]. Sinceramente, alguém acredita que esse irrisório valor da multa faria com que alguém fosse dissuadido de correr no trânsito? Obviamente que não. Na verdade, o custo do boleto bancário para a Fazenda Pública lançar a multa seria maior que o valor dela em si.

Então a pergunta que fica é, se essa fração da condenação em proporção ao faturamento não assusta uma pessoa física, porque então assustaria a JBS-Friboi? Temos por óbvio que a indenização é insuficiente para dissuadir a empresa autora de novos e iguais atentados.

Sabemos, conhecemos de cor, a cantilena da ultrapassada jurisprudência e uma doutrina atrasada que insistem em dizer que: “na fixação dos danos morais, o Juiz deve procurar agir com razoabilidade e prudência, a fim de que, a um só tempo, se puna o agressor, de modo que seja dissuadido de iguais e novos atentados, sem que, contudo, não se enriqueça ilicitamente a vítima, criando-se assim, a famigerada Indústria do Dano Moral.”

Particularmente, em mais de 20 anos de Advocacia, e mais de 2.000 processos, nunca vi alguém dizer: ‘que bom que fui protestado indevidamente, pois agora vou ganhar uma fortuna de indenização’. Ao contrário, já vi vários clientes desistirem de ajuizar ações de danos morais claríssimos em razão do stress, do abalo emocional que um processo gera, sem falar em custos, e também, como é amplamente noticiado pela mídia, no baixo retorno que as sentenças proporcionam, às quais muitas vezes tem muito mais o condão de somente humilhar ainda mais aquele que já foi humilhado. Noutras palavras, a pessoa procura o Judiciário por ter sido violada em sua esfera de direitos e, como resposta, o Estado Juiz a humilha ainda mais.

Tivemos, no escritório, o caso de um cliente agredido fisicamente por um segurança de uma grande rede de supermercados. O juiz deu ganho de causa. O valor da indenização: incríveis, fantásticos, estupendos, peripatéticos R$ 250,00 [duzentos e cinqüenta reais].

Neste caso específico, nunca me saiu da cabeça que o Magistrado em questão aproveitou-se do seu cargo para humilhar o contribuinte, noutras palavras, o pagador de seu salário, dando-lhe uma vitória de Pirro; ou, por outra, tratar-se-ia de uma péssima formação intelectual. Tudo bem que a conjunção de ambos os fatores não pode ser desconsiderada.

O grande problema que os Magistrados não conseguem enxergar é que talvez não exista uma forma eficaz de se punir o agressor e evitar o enriquecimento sem causa simultaneamente. Há que se fazer uma análise da mesma forma que se faz quando há conflito entre dois princípios constitucionais. Há que se fazer uma pesagem de qual valor é socialmente mais sensível para a sociedade. Da mesma forma a União Européia vem decidindo que os crimes contra a honra devem ser abolidos e a pena ao difamador deve ser apenas financeira, posto que é corolário do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade que, ainda que eventualmente algum difamador que merecesse de fato a condenação criminal possa aproveitar-se dessa brecha jurídica, é pior à sociedade que jornalistas e demais profissionais que têm a palavra como instrumento tenham medo de exercer, plenamente, seu ofício, em razão da possibilidade de uma condenação criminal. Nestas hipóteses, a Doutrina Jurídica Européia e a Jurisprudência também tem entendido que é mais razoável que a indenização se limite ao campo financeiro.

O mesmo pode ser dito em relação aos danos morais. É impossível em diversos casos, mormente quando os réus são gigantes conglomerados econômicos, muitas vezes empresas transnacionais, fixar uma decisão 100% equânime, isto é, que ao mesmo tempo puna o ofensor e não enriqueça o ofendido. O Judiciário precisará em algum momento aceitar o fato de que para punir, ou pelo menos causar um arrranhão, uma nódoa, à imagem do causador do dano, a indenização terá que ser, muitas vezes, bem maior que as atualmente concedidas.

Imaginemos que a indenização contra a JBS-Friboi fosse de R$ 1.000.000,00 [um milhão de reais]. Essa valor, em si, não iria afetar suas atividades econômicas pois ainda seria o equivalente a 120.000 [cento e vinte mil] vezes menos que o seu faturamento. Contudo, com certeza essa notícia alcançaria uma repercussão muito maior em alguns sites lidos por um restrito número de pessoas. Seria uma notícia que sairia em diversos grandes jornais impressos [Folha de São Paulo, Zero Hora, O Estado de São Paulo, e outros]. Geraria uma repercussão tal que, no mínimo, faria com que o galã global contratado como garoto propaganda repensasse se iria, ainda, querer associar sua imagem a uma empresa que praticou tão abominável ato; na melhor das hipóteses ele iria aumentar, e muito, o seu cachê.

Caso 2

Em Brasília, no processo (2014.03.1.030391-3) em notícia que publicamos neste site (http://papini.jusbrasil.com.br/noticias/198014755/tjdft-motorista-alcoolizadaecondenadaapagar-danos-materiaisemoraisamotociclista), uma motorista alcoolizada fora condenada a pagar danos morais por ter causado lesão corporal de natureza grave à vítima, a quantia de R$ 8.000,00 [oito mil reias].

Isso é um acinte! Uma motorista alcoolizada é condenada a indenizar num valor com o qual não se pode sequer comprar um veículo de mais de 10 anos de uso?! Será que o Magistrado, ao proferir esta barbaridade jurídica, não se ateve ao fato de que a intenção do legislador ao recrudescer as penas contra quem dirige sob o efeito de álcool era, justamente, a de que se reduzissem o número de mortes no trânsito no Brasil [algo em torno de 40.000 ao ano - http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1545760-numero-de-mortes-no-trânsito-tem-maior-queda-no-brasil-desde-1998.shtml]? Uma decisão desse jaez é uma afronta, não apenas à vítima, mas a toda sociedade. Martin Luther King disse, certa vez: “uma injustiça cometida em qualquer lugar é uma ameaça à Justiça em todos os lugares”.

Em suma, nossos Magistrados precisam urgentemente rever o conceito da precificação do dano moral, no sentido de serem majoradas as indenizações, sob pena de, em não o fazendo, tornar os textos legais que prevêem este tipo de indenização [Constituição da República de 1.988, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor]converterem-se em letra morta, ou então, em algum muito pior: um escárnio à sociedade.

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