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25 de Abril de 2024

Penhora e Apreensão de Veículos - por um pouco de racionalidade nos processos de execução

Uma aplicação razoável para o artigo 139, IV do Código de Processo Civil

Publicado por Paulo Antonio Papini
há 3 anos


Introdução

Falemos em primeiro lugar do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil. Ao que tudo indica, o STF julgará procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5941, que versa sobre a possibilidade, ou não, de se suspender CNH e Passaporte de devedores inadimplentes.

Noutras palavras, confirmando aquilo que já aponta a predominante jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (e outros Estados da Federação) essas medidas, além de ilegais e inconstitucionais, violam o Princípio da Tipicidade dos Meios Executivos, estabelecido em nosso Ordenamento Jurídico nos artigos 391 do Código Civil Brasileiro e 789 do Código de Processo Civil Brasileiro.

E nem se diga que os meios seriam atípicos pois, em tese, essas medidas (especialmente a suspensão da CNH) seriam admissíveis para débitos alimentares (devidos em razão de vínculo sanguíneo-familiar). Na realidade, a Convenção de Haia para débitos alimentares prevê, expressamente, a possibilidade da suspensão da CNH deste devedor, o que, mais uma vez, derruba a tese da atipicidade.

A propósito, desnecessário dizermos que enunciados de Enfam e súmulas do Fonaje/Jornadas de Direito "X, Y, Z" não têm o condão de criar normas jurídicas.

Mas o artigo não foi escrito para falar disso...(1)

A questão é, se será proibido pelo STF (e é probabilíssimo que isso ocorra) será que o artigo 139, IV, do Código de Processo Civil tornar-se-á letra morta em nosso Ordenamento (como ocorre com tantas leis)? Ou, por outra, será que ainda há alguma serventia a ele?

Acreditamos na segunda possibilidade.

Antes, gostaria de estabelecer uma nota: é impressionante como as pessoas (e agora estou me referindo aos profissionais do Direito, de forma específica) fazem esforços e ginásticas mentais para defender teses desprovidas da mais elementar lógica jurídica (2) e se esquecem de buscar interpretações mais razoáveis a essa mesma norma.

Antes de continuarmos o texto, citamos, expressamente, o Artigo 139, IV, do Código de Processo Civil Brasileiro:


Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

(...)

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;


Problematização e Proposição deste Artigo

Temos nos processos executivos (3) que correm no Brasil um gravíssimo problema. Penhora de veículos: automóveis, motocicletas, embarcações e aeronaves.

Não é incomum que bens penhorados e/ou apreendidos via RENAJUD apodreçam por anos nos pátios dos DETRANS pelo país, por mais de 1 ano (4).

Apenas em um ano de pátio, um veículo apreendido gerará a despesa de mais de R$ 8000,00 (oito mil reais) isso para não falarmos da depreciação natural que sofre um veículo exposto ao tempo (chuva, sol inclemente, sereno e granizo) e, a depreciação mecânica que certamente ocorrerá com qualquer veículo que fique por mais de um ano sem funcionar.


Invariavelmente, veículos apreendidos/penhorados/arrecadados transformam-se em sucata. Isso vale para aeronaves (5), embarcações e veículos terrestres; inclusive alguns de alto luxo.

Foi notícia hoje (6), por exemplo, que está num pátio do DETRAN na Comarca do Guarujá, no Estado de São Paulo uma Maserati desenvolvida por Michael Schumacher (só existem 12 versões desse carro no mundo) há 2 anos.

Esse carro já apodreceu. Entre multas, impostos e diárias no pátio ele já acumula mais de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em débitos. Além disso, o carro já está praticamente inutilizável, impassível de ser restaurado.

Qualquer um, que Advogue e/ou atue como Juiz, sabe que pedir a penhora/apreensão de um veículo do devedor só serve, em termos práticos, para que o credor vingue-se da pessoa do devedor.

Em 99,99% dos casos, até que chegue o momento de um leilão, o veículo arrecadado estará inutilizável e, muitas vezes, com débitos maiores que seu valor de mercado.

Com efeito, esse tipo de penhora de bens consegue, a um só tempo, violar o Princípio da Utilidade dos Meios Executivos, visto que penhorar um bem que não será - efetivamente - usado pelo credor, tampouco servirá para reduzir o débito deste e, em simultâneo, o Princípio da Menor Onerosidade da Execução (para com o devedor).

Como dissemos, na imensa maioria dos casos, essas penhoras/apreensão de bens apenas tem o condão de atrapalhar a vida do devedor sem, de fato, produzir resultado algum que seja útil à demanda.

E é aí, ao nosso ver, que entra a leitura do artigo 139, IV do Código de Processo Civil.

Voltemos ao que diz a norma: "[o juiz pode] determinar todas as medidas (...) necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial".

Ora, alguns magistrados entendem ser possível restringir direitos fundamentais dos devedores...Conhecem aquela história de: "quem pode o mais, pode o menos". Não seria possível, outrossim, aos magistrados (numa visão conjugada dos artigos 139, IV do Código de Processo Civil, com o artigo 805 da mesma lei, ambos combinados com o Princípio da Utilidade do Meio Executivo) após a apreensão/arrecadação de um veículo determinassem que:

1) o credor fosse intimado, nas hipóteses em que o valor do seu crédito for maior que o do veículo (Tabela Fipe), para que informasse se tem interesse em ficar com o bem, abatendo-se o mesmo do quantum debeatur.

2) nas hipóteses em que o valor do bem arrecadado/apreendido for muito superior ao crédito (o que normalmente acontece em falências de Companhias Aéreas) que este bem seja rapidamente avaliado e leiloado (e se não houver tempo hábil a uma avaliação, que se leve a leilão, com ampla publicidade, para arrematação pelo maior lance disponível).

Ficam as perguntas para Magistrados que cuidam de processos de execução e recuperação judicial: a) O que ganha o credor com a penhora de um carro que, quando leiloado, estará inutilizável e com débitos que superam seu valor? b) o que os credores de VASP e Varig ganharam com os aviões arrecadados, por conta dos processos falimentares, vendidos como sucata?


___________________________________________________

https://www.uol.com.br/carros/noticias/redacao/2020/11/09/maserati-com-apenas-21-unidades-no-brasil-...

  • Sobre o autorAdvogado e Professor. Mestre em Processo Civil
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